sexta-feira, 18 de julho de 2014

Livro dos Sonhos Esquecidos. Autor desconhecido. Tomo M Pág.1994


Elas são e não são ao mesmo tempo, etéreas como a poeira que brilha no rastro de luz de uma janela. Estas pequeninas almas somem e reaparecem, fugidias entre qualquer certeza, só se manifestam no limiar entre a claridade e a sombra. Nadam no vento como plânctons e esquivam fácil de qualquer toque.
Elas brilham e brincam como crianças num parque, num tom infantil fisgando pedaços de poeira. Fazem da poeira, estes pequenos rastros de nossas figuras colossais, o divertimento e o sustento de suas existências. Se vestem com nossos restos de pele, como se nos imitassem, costurando com fios ínfimos figurinos variados como se fossem imitações jocosas de nossa moda. Montam casas e tendas que confundiríamos com pequenas bolotas de sujeira que por vezes aparecem embaixo dos móveis, quando esfregamos tapetes, quando limpamos nossas casas.
 Pouco sei de seus hábitos e do tempo que vivem, pouco sei de seus filhos ou se eles os possuem ou se nascem de algum lugar. Apenas notei pouco, pois ao observar suas existências num simples movimento destruía qualquer coisa feita por elas, as deslocava no turbilhão que o mover de um músculo provocava.
Me senti um monstro ao tentar observá-las, toda a minha interação, todo meu esforço de eterniza-las resultava na destruição de suas vidas.
Mas ao voltar aos lugares que destruí, me senti mal, enojado de minha significância. Lá estavam elas de novo, haviam se reconstruido. Mas o pior, de meus  traços e meus resto se reorientaram, e como uma cópia forçada de meu ser, de meu estilo, de minha estética, aqueles novos remanescentes remontavam aquilo que seria as suas próprias imagens, seus hábitos e suas identidades. Livro dos Sonhos Esquecidos. Autor desconhecido. Tomo M Pág.1994

Nenhum comentário:

Postar um comentário