domingo, 30 de setembro de 2012

Fuga


Hey man in your hideaway
Where do we go from here
Heroes in the tragedy
Down-home just a memory
Where do we go
When the world gets in the way”
The Wicked Symphony
Avantasia


Eu escutava o latido dos cachorros, seguiam-me e ao meu irmão. Fazia tempo que eu não escutava o barulho do lado de fora, mas hoje sim! Eu pude enfim escapar, eu estava do lado de fora. Não sei quando, mas só sei que fiquei ali, naquele quarto sem saber o que havia acontecido com meus pais. E agora meu irmão, mais pálido do que eu me puxava pelo braço para sair daquele lugar.
Podia ver o vergão em seus pulsos, não, ele havia cortado as cordas e aquela ausência de pele parecia doer, mas não parecia se importar. Mas o que importa? Escapamos! Os espinhos entravam em nosso sapato e podíamos ver a respiração condensar-se, devia ser inverno então aquilo fora à mais de um ano.

“Você escuta a música? Vamos para um lugar melhor!”, ele me olhava confiante, “o quê?”, respondi confuso, só escutava o barulho da rua, os carros passando, devia ser uma BR. “Quando voltarmos, eu vou voltar a tocar numa banda! Vamos ficar famosos!”, deixei- o delirar, creio... Me sentia velho, por ter estado naquele cativeiro, eu não sei, mas me sentia envelhecido,apenas estar fora dele me fora mais que o suficiente. Minhas pernas doíam e aquele lugar parecia não ter fim, nos guiávamos pelo som dos carros e havia uma espécie de farol distante, talvez um outdoor.A grama se condensava e as moitas pareciam existir apenas para nos impedir de sair dali, olheipara meu braço e vi minha pele enrugada, manchas...
Quanto tempo eu estive ali? Os latidos se aproximavam e pareciam se excitar mais quando nos cortávamos nos galhos, porémmoviam-se eles nos circundando como qualquer outra matilha. Meu irmão apenas seguia reto, tinha um sorriso no rosto que me apavorava, de onde tirava aquela confiança? Quis me segurar nele por um tempo até livrar-me das cãibras, quanto tempo passou? Meia hora, duas? Porque os cães não nos atacavam? “Mano, porque eles não nos atacam? Para onde vamos depois daqui?”, “Para casa! Vamos, acho que ainda me lembro!”, “Mano, essa era nossa casa!”. Silêncio, pela primeira vez ele hesitou, “Cara, qualquer lugar fora daqui será a nossa casa. Eu vou voltar a tocar e a gente vai ter tudo de volta...” era a loucura pairando ao meu lado, percebi, mas o que importava agora? “Estamos perto!” Ele gritou, aquilo era o sinal da liberdade, aquela cerca! Era só passar por ela e era tão simples, apenas um arame farpado... Como era magro devido ao cativeiro, me esgueirar foi simples.

Agora estava na rua, e era só pedir carona! Implorar por auxílio! Parar um carro qualquer que seja. Feliz, olhei para trás, para meu irmão. “Você não vem?”, “Já fiz o que tinha de ser feito?”,”Como assim?”
Me dei conta de que agora ele estava como quando invadiram nossa casa. Mas fez muito tempo. Quanto tempo? Minhas mãos estavam enrugadas... Chovia, vi meu irmão desvanecer na chuva como que feito de cinzas, como que feito de um material solúvel... Quanto tempo eu fiquei ali? Olhava para aquele lugar abandonado, aquela quantidade enorme de luzes que não deveriam estar ali, essa fora a rua em que cresci?Mas eu fugi, estava vivo e era o que importava, mas, mas eu sentia  a voz do meu irmão mais velho sussurrar na minha cabeça “Ei cara, se você fugir... Para onde vamos, depois daqui?” Era a voz do meu irmão, amarrado do outro lado do quarto, muito tempo atrás... 



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