domingo, 30 de setembro de 2012

Tarde de Domingo


De certo, não sei depois do quê, mas acabei assim. Não que eu tenha algum problema físico, mas estive á vinte anos nesta cadeira, fora embora com isso minha adolescência e minha juventude. Dês dos dez anos de idade eu apenas assisto, algo que eu não consigo me impede de mover qualquer músculo que seja. Eu não sei, simplesmente não posso. Foi aos dez anos também que sai da escola, e meus pais, perto de mim nunca mais falaram nisso, ou nela. Tornei-me um móvel, creio, com aquele tom de dependência que os aquários possuem, só que com uma função diferente. Eu era como um retrato de uma memória ruim, silente á mim mesmo, o medo de me dizer ou de reviver o que tenha acontecido, que meus familiares tinham... E apenas a espera da boa vontade... Cresci como uma planta, à espera das estações, podia abrir os olhos, ver as cores desbotarem na janela para depois renascerem, o som da vida correndo lá fora. Odiava a televisão, eles ligavam ela pra mim e tudo aquilo me incomodava, no inicio como uma cesta de doces para uma criança com diabetes, depois uma repetição, uma rotina terrível que apenas mofava tudo ao meu redor, tornando os dias rançosos, menos reais. Como se realidade fosse algo que eu entendesse... O mundo estava lá fora. Para ser sincero,dentro de minha casa, raros eram os que olhavam para mim, de minha família, minha mãe cuidava, é claro, com certo distanciamento de governanta. Nunca me olhei em um espelho, e a televisão, com uma sobre tela para ficar com um brilho que não incomoda-se, impedia o reflexo. Uma vez, com a chegada de visitas, fiquei horas em um porão, olhando para a parede. Era como se lhes representa-se alguma perda, ou vergonha, como o machucado causado por uma brincadeira infeliz. Essa covardia, condizia também com o roubo de parte de minha vida, e acredito que essa culpa, eu era como um estandarte, trazia todos os demônios de minha família à costa, adentrando em suas rotinas, sussurrando a verdade impregnada de passado em seus ouvidos enquanto tentam levar as suas vidas. Era eu, no meu silêncio tão poluído e estarrecedor, aos observar pelo canto dos olhos. Com o tempo, com a raiva, comecei a me deleitar com isso. Acreditava eu, que se eles tivessem me entregado o meu passado, o que me tornara assim, eu poderia voltar ao que era antes, e esta raiva adentrava, como um ódio ao carcereiro. Carcereiros estes que me abandonaram, em uma noite, eu em minha cama escutei os passos e o arrastar de móveis, malas, sussurros e o partir do carro. Depois o silêncio, o escuro e o saber certo de que eu estava entregue à morte. Fora abandonado, por aqueles que roubaram minha vida, estava enraivecido e aquele silêncio denso a me cobrir, o mofar naquele lugar infesto em minha própria sujeira, a fome, a inanição pela displicência daquelas pessoas, apodreceria e minhas vestes cobririam meus ossos, manchando aquela cama com o que restar de mim. Raiva, gritei de raiva e me assustei com minha voz, essa raiva, esse medo me trouxe de volta, com o tempo, consegui arrastar-me para fora do quarto, minhas unhas arranhando o piso, me assemelhava mais à um réptil do que á um ser humano. De certo modo, em meu orgulho, era assim que me via. Iria pedir ajuda, a porta estava aberta, aquela toda luz, a sensação da grama, o cheiro! Estranhei aquela textura como estranhei tudo que presenciei, mas o cheiro estava tão forte! Asfalto, o calor proveniente, e eu, destoando em meu tema de hospital e dor. Não acredito, não acredito como odiava tudo aquilo, como um ciúmes doentio, d’aquilo que destoava tanto de mim. E as pessoas, sim, aquelas coisas me olhavam como se eu fosse um monstro, não, elas não me ofereciam ajuda. Corriam, como quem corre do diabo, poucos tinham coragem de apenas manter distancia. Até que um nobre cavalheiro teve a coragem de tentar me matar, como se abate alguma infestação, algo baixo, aquela lámina do machado refletiu o meu rosto. Meu rosto, daquela tarde á vinte anos, das luzes, e do momento derradeiro em que tornei-me diferente de vocês.

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