sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Jabuticaba





Jabuticaba


Está na hora, afinal, é assim que as coisas seguem... Eu me lembro dele me falando, o velho sempre naquele ar meio perdido. “Filho, esta Jabuticabeira eu plantei no dia em que você nasceu. Não é enxertada, pois foi uma das sementes, tipo, quando sua mãe estava grávida de ti, ela tinha muita vontade de tomar suco, ou comer jabuticaba.” “Filho, quando a bolsa rompeu, eu estava muito nervoso e estava na hora, tinha umas no carro, acabei levando o saco delas, parece meio tolo, mas pensei nelas e pensei em sua mãe, não sei. No desespero a gente toma atitudes meio bobas. E lá estava eu, esperando você nascer, comendo jabuticabas de tão nervoso, as jabuticabas que eu tinha guardado para a sua mãe. Como se quando ela saísse dali ela ainda estaria com desejo.“
As vezes, a atitude mais correta é a mais dolorosa. Mas como disse o tio do divã, uma hora temos de nos desvencilhar das imagens maternas e paternas, enfiar as mãos sujas no passado, e tirar o mais humano possível do sagrado que é nossos pais.
“Sabe moleque, você foi a coisa mais importante de minha vida, minha vida foi você. Quando eu vi a enfermeira contigo no colo. Eu senti que dali a diante seria diferente. Foi quando caiu a ficha, que eu percebi que havia crescido. E que a partir de agora eu tinha responsabilidades.” Ainda escuto sua voz.” E enfim a divisão de águas, marcado pelo sorriso constrangido dela, aquilo era pena. A enfermeira olhava pra mim com um olhar de dó.” Minha mãe tinha problemas de saúde , mas meu pai nunca me falou dela. Creio que meus avós, se caso eu os tive, também não deviam ser gente boa. “Foi também, depois de seu enterro, a última vez que eu vi a família dela. Eles nunca nos procuraram, nunca deram uma ajuda. Por isso era que ela, quando começamos a namorar, sempre arranjava um motivo para ficar fora de casa.” Nisso ele deixava escapar. “Gente ruim, sem mais, ainda bem que ela era ovelha negra. Eles olhavam com desprezo para a gente, eu e você, no velório dela.” E ele sempre retornava para aquele ponto da história. “Quando me informaram, aquelas horas todas, o procedimento, apenas eu e minha irmã no hospital; quando cheguei na casa dos meus pais contigo, eu percebi, em todo nervosismo eu estava comprimindo uma semente, minha mão fechada, numa ânsia de surrar não se sabe o quê, comprimia uma semente dês que te vi nas mãos da enfermeira” Engraçado algo durar, pelo que ele falou, naquelas mãos de pedreiro.
Eu me sinto como se estivesse a derrubar a estátua de meu deus. Este era meu maior sacrilégio, mas afinal, eu preciso me libertar. “Naquela época eu não estava maduro como agora.”Dizia ele. “ Para eu escapar, ou suportar eu precisei me livrar do passado, mas eu tinha medo e principalmente um respeito por ti.” E começava. “Aquela semente, ela ainda estava comigo na hora, enquanto você dormia, eu juntei todas as lembranças de sua mãe, fui para o quintal. E colocando tudo em uma caixa de metal, as enterrei. Lá coloquei a semente, para esta crescer junto contigo e ficar como guardiã. Ela nasceu para este fim.” Uma caixa de metal, de formato oval, meu pai era um autodidata sábio.
Sinto que já estou maduro, pena que meu velho não está mais aqui. Só você e eu. E eu sinto que já sabias disto, mas, eu tive de fazer essa escolha. Cresceste, e assim envolveste e guardaste as memórias da minha mãe. Entre suas raízes está o segredo de minha vida. E é a partir deste sacrifício que vou seguir meu caminho. Tornar meu passado humano.
Me desculpa, mas eu preciso, ah uma parte de mim, presa em ti, que tenho de libertar.