quarta-feira, 14 de maio de 2014

Eduardo gostava de andar na caminhonete do avô.

Eduardo gostava de andar na caminhonete do avô. Este, sem muito senso de responsabilidade, o deixava ir à noite na capota. Deitado se segurando em alguma coisa que ali estava para tal fim, olhando para os postes passando e para os prédios que se seguiam, um após o outro, com as janelas acesas num azulado fosfóreo. Sentia uma sensação boa, não havia nada mais bonito do que aquele momento. Chovia como chovia em São Paulo, naquela hora uma garoa fraca refresca um dia quente. Fechava os olhos. Estava tranquilo, em seus poucos anos, sem muito a se preocupar no momento, seu pensamento pairava em algum lugar entre sorvetes e dinossauros. Talvez os dois juntos, talvez o seu pai tenha locado, de novo e de novo, conforme pedira a ele, o Jurassick Park.
Aquilo fora á quanto tempo? Antes de seus seis anos de idade. Aquele lugar nem se lembra onde foi, teria de andar a São Paulo inteira daquele jeito para se lembrar onde era. E isto, ele colocou na cabeça, faria ao menos uma vez na vida. Mas creio que sua esposa não curtiria muito a idéia, provavelmente ele não pediria a ela para dirigir.
Sua vida estava um tanto quanto lenta, devagar mas não no modo positivo, como se ela fosse uma espera de poucos momentos agradáveis, e Diana não curtia nenhum plano nem mesmo sair para alguma coisa assim. Ser adulto é um saco, é mais uma postura que uma ação, pensou.
Ela tinha dormido vendo o filme que ele tinha insistido a ela a ver, pois em algum momento ela tinha enfim, cansado de falar mal do roteiro. Para ela qualquer ação sua se resumia a bobo e sem graça, para ela qualquer ideia dele era um prólogo á uma frustação futura. Restava, para ele, sentar no sofá e fazer algum concurso público.
- Amadureça.
Era isso que ouvia em sua cabeça.
- Seja alguém menos bobo.
Ecoava, em seguida.
Cobriu-a com o cobertor, desligou a luz da sala e foi fazer a única coisa que lhe faria bem, no momento. Foi á garagem, ligou o carro, ligou o rádio. Foi-se para a lagoa perto de sua casa, pois gostava daquele lugar, principalmente à noite, a lagoa faz tempo não vazava pro mar, ele e a lagoa estavam morrendo, mas mesmo assim, aquela água parada refletia as casas mais ao fundo junto com a lua que nesta época do ano mais parece uma moeda de latão. Acendeu um cigarro, aqueles cigarros sempre fizeram sua pressão baixar, mas não se importava. Naquela altura do campeonato não lhe restava muita coisa.
Uma hora ou outra ela iria acordar, uma hora ou outra alguma coisa ia acontecer, uma hora ou outra esperaria mais uma hora ou tra. E assim se seguiria, sempre neste ritmo, mas não hoje.
Pois atirou seu carro na lagoa.
Eduardo gostava de andar na caminhonete do avô. Mas a distancia e o tempo lhe fizeram esquecer destes momentos. Sua vida reduziu-se à um tom cinza amarelado e seus gestos foram ficando cada vez mais reclusos. Não havia mais os tons fosfóreos que gostava de imaginar quando mais novo. Casou-se com o pensamento realista e pessimista que gostava de dormir vendo televisão e se chamava Diana. Até que gostava dela, mas à noite, quando deixava a luz do abajur acessa a meia luz, gostava de pensar se um dia fora ou será ela uma pessoa digna de ter um nome como aquele. Já questionou uma vez ela sobre a possibilidade de sair por ae, viajar, mas tempo e dinheiro foram as respostas que escutou.
Estava cansado a ponto de questionar algumas vezes se aquilo era vida ou morte, se morte poderia ser um pouco mais emocionante. Se era ele ou o tempo que havia parado e tudo não era apenas o apodrecer do que um dia se moveu. Aquilo o angustiava.
Mas um dia desses, em um acidente de percusso numa noite clareada de sexta feira, um alcoólatra o atropelou junto com outras pessoas na faixa. Ato que acabou matando uma senhora com a filha. Mas ele apenas quebrou a perna, como ele era o menos acidentado no local foi consensualmente o último a ser atendido. Consciente e um tanto quanto melancólico demais deixou-se levar pela situação e ficou lá, entorpecido pela adrenalina olhando os postes no local e os prédios com suas janelas brilhando. Até sua pressão descer e cansado apagar.
Acordou com a perna enfaixada e Diana o levando de carro para sua casa. Estava estirado no banco de trás do carro, podendo acompanhar as luzes vindo e indo em relação à janela. Se sentiu como aqueles pássaros que deliram, olhando para o sol, na sede, esperando este por fim o levar. Insistiu em meio à uma discussão que queria parar na locadora e em meio a maiores discussões conseguiu locar aquele filme de sua infância.
Sabia que não podia conversar com ela sobre tudo isso. Aprendeu que com algumas pessoas o silêncio é a melhor forma de manter uma relação. Aprendeu que estando a parte era a melhor forma de dizer muita coisa. Mas as coisas estagnam e aquilo mofou e floresceu como rotina.
Queria gritar, mas ninguém iria entender. Então, com seu sangue frio e acostumado resolveu dar um fim a tudo aquilo, rever por fim um tom de seu passado feliz e depois romper com aquilo para sempre.
Era só por ela para dormir, pegar a chave, andar como pode até o carro e se jogar. Jogar o carro na lagoa ia fazer ela procurar por ele no lugar errado. Tempo o suficiente para ir embora. Um táxi o esperava a alguma distância, todo o seu salário para saber se alguns parentes ainda se lembravam dele. Com a roupa do corpo e alguns pertences de apego iria partir até a sua velha cidade e lá tentar voltar a ser um ser vivo novamente.
Mas isso não era tudo, o táxi que ele tinha chamado tinha a capota  removível.

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