quarta-feira, 14 de maio de 2014

Repetição(2007)




(Conto de 7 anos de idade, quanta coisa mudou... 2007 foi um ano interessante)

Repetição

Meu caro, isso não é uma história é um fato, eu não sei como te provar isso, mas tens a minha palavra de que isso ocorreu. Eu sinto a veracidade disso bem fundo na minha alma. Sabes aqueles sonhos seus, aqueles sonhos do qual você cosegue até sentir, um romance dentro de sua cabeça?Quem nunca sonhou que estava com alguém, um amor platônico ou não? Quem nunca sonhou meus pêsames.
Eu não sei em que mente ou em que plano isso ocorrera, mas nunca se perguntaste a respeito dos coadjuvantes nos sonhos, para onde vão? O que são? E se são alguém? Uma vez eu pensei que fosse pessoas aprisionadas em fragmentos do tempo, sendo elas de outras dimensões onde isso ocorrerá. Besteira vendo isso agora, mas na hora me soou bastante razoável.
Digamos, em alguns sonhos as coisas nunca se resolvem, no momento em que elas vão se resolver, você acorda, ou acorda mesmo antes disso, isso é frustrante não? E tem aquelas que nunca acordam, em uma cama, causando dor a suas famílias, se recuperando de algo irrecuperável, dando dinheiro para terceiros.
Ok, daremos adeus ao prefácio e iremos para a história, ninguém nunca gostou de prefácios acho, ou pelo menos nunca ninguém comprou um livro apenas para ler apenas o prefácio, e nem sei se contos possuem prefácios...
Legal, vamos para o personagem, ele é simplesmente a figura ou o fantasma de alguém, uma pessoa que vive em seu mundo em uma rotina assustadoramente igual, acho que morto por dentro se ele não fosse um coadjuvante, em um sonho qualquer. Assim era a “vida” dele, acordando sempre as oito horas, tomando um café da manhã resumido a pão e café preto, se arrumando indo para o trabalho, o trabalho era um saco justamente porque é um trabalho, se não fosse tedioso não seria trabalho.
Porém no trabalho, existia o que em toda história clichê tem, um romance idiota, completamente puro ingênuo e artificial, uma garota com roupa de retalhos que trabalhava no setor na frente dele, que era separado por uma parede de vidro, algo ruim porque evita qualquer um de coçar o nariz em um período de oito horas.
Eu não sei que raios ela via nele, talvez a ausência de vida social deixe as pessoas meio malucas, porém é um sonho e sonhos não precisam de explicação acho, logo ela gostava dele, e fica se deliciando vendo um cara depressivo carimbando papéis sem ao menos lê-los, imaginando aquela barba medonha de quem não sabe aparar rochando seu pescoço e outras coisas imbecis. Completamente relativo ao caso de pessoas carentes, ou pelo menos no meu ponto de vista.
Durante o intervalo ela ficava vendo ele fumando olhando para o vazio, se perguntando porque ele não se envolvia com as outras pessoas, nem ao menos para perguntar as horas. Todo dia ela perguntava as horas para ele, e ele a respondia dando o horário trez minutos adiantado.
E se passava o trabalho que simplesmente era uma revisão de cenas, e esses dias ficavam na memória do nosso protagonista, acho que é esse o nome, a partir de agora ele se chama protagonista, que é o cara que é morto por dentro e que fuma olhando o vazio. A menina será Amélia, um nome bonito que me lembra milho. O único que tem esse tipo de memória é o protagonista, eu “não sei” porque, mas ele tem, talvez ele fosse uma alma perdida que entrou no lugar errado, mas ele se lembra dos dias repetidos, tanto em seus atos repetidos, e em tudo repetido...
Para ele a vida é isso: Uma rotina, sendo todos os dias iguais.
Amélia pensa que ele nunca lhe deu bola, mas quando ele volta do trabalho, para casa, ele parava para desenha-la, e depois ia ver tv, que passava sempre a mesma porcaria, na verdade ele apenas retocava um retrato dela sentada em sua mesa, trabalhando, um retrato que nunca se acaba, faltando sempre os mesmos detalhes: As covinhas, as cores em seu vestido de retalhos, o relevo de sua boca, a suas mãos...
Um dia, se é que pode haver dias, ele parou e olhou para ela por uns minutos, e ela respondeu esse olhar, mas fora só aquilo, depois ele perguntou para ela, no intervalo, sobre a função dela, eles conversaram durante toda a tarde e depois ele pegou o numero dela. No outro dia ela não se lembrava de nada, e o numero dela sumiu. Ela pensou que ele estava louco e evitou ele durante o outro dia, só naquele dia, no seguinte voltou como tudo fora.
Ele sabia que os dias eram iguais mas ele associava ao seu comportamento. Isso o fez entrar em pânico, ele sabia que nunca ia tela. Uma vez ele rasgou o retrato dela, e ele voltará, e assim fora de inúmeras tentativas de mudar essa rotina, mas os dias se repetiam, e repetiam e repetiam...
Um dia ele não fora ao trabalho, mas lá ele apareceu depois de algum tempo, logo sincronizou isso em seu relógio, mas, convenhamos, dentro dessa situação ajustar um relógio não é algo muito útil. Mas depois de um tempo ele já tinha decorado o tempo nas mudanças de cenário, e ele tinha um plano para quebrar essa regra angustiante. Mas é o mesmo que um moleque conseguir destruir a rotação do planeta e a passagem da noite para o dia.
Fora por isso que ele morreu por dentro. E assim fora. Até que ele viu uma pessoa que não fazia sempre as mesmas coisas, talvez fosse que nem ele, talvez fosse só parte de alguma crise de loucura dele. Era a pessoa mais confiante ali,ele nunca notara o rapaz, que andava por lá despreocupado, talvez fosse a única ou a primeira vez que ele tenha passado na empresa.
Em princípio ele ficou com medo de entrar em contato com ele, cá entre nós, ele não estava acostumado com esse tipo de acontecimento. Aquele homem não parecia notar a anomalia no espaço e tempo daquele lugar. Ele, o protagonista, sabendo que no outro dia seria sempre igual, resolveu segui-lo para onde ele fosse: Fez um percurso simples, conversou com pessoas aleatórias sobre assuntos mais aleatórios e fez um empréstimo, momento que finalmente o protagonista descobre o que raios é a empresa onde ele trabalha.
A felicidade pela descoberta se acabou com a frustração de que no momento em que ele atravessou a porta da frente de seu trabalho, ele não se encontrou na frente da firma, mas sim nos fundos onde ele ia todos os dias olhar para o vazio fumando. Legal, além do fato dele estar preso em um dia, ele está preso em um cenário limitado.
O que restava é ele esperar aquele homem e tirar sérias conclusões, enquanto isso, a menina do vestido de retalhos lhe pergunta mais uma vez as horas, do qual ele responde três minutos adiantado.
Assim fora por dias e dias e dias, até que em um período de exatamente um mês. Se ele não errou nas contas já que marcar no calendário seria inútil. Aquele homem retornou, indo falar com as mesmas pessoas e repetindo a cena, dessa vez com um terno azulado ao invés do pretinho básico anterior.
A reação foi correr até o indivíduo do qual vamos chamar de coadjuvante, acho que é o nome apropriado,. Pois bem, ele correu em direção ao coadjuvante e lhe inquiriu sobre sua identidade, sendo que ele respondeu assustado, ser um tal de Ricardo Farias e estar lá para um empréstimo que apresentou alguma falha no sei lá o que. Digamos que a reação de nosso amigo protagonista fora leva-lo através do uso da lábia até perto do banheiro, soca-lo e faze lo desmaiar, amarra-lo na privada e interroga-lo sobre o lapso temporal, não foi nada produtivo e isso apenas resultou em, quando deu o horário do interva-lo para fumar um cigarro, ele apareceu nos fundos da loja, com a estagiaria abobada lhe perguntando as horas. Ele voltou ao lugar, e ele não estava mais lá.
Definitivamente isso foi mais frustante ainda, e o homem misterioso do sorriso colgate não apareceu mais no local por uma questão de anos, ele já não dava importância a rotina, e apenas esperava as coisas seguirem seu curso, hora uma cara emburrada no trabalho, uma cara emburrada no fundo da loja, uma cara emburrada no percurso para a casa, uma cara emburrada no retoque do retrato da estagiaria Amélia, uma cara emburrada na cama e enfim, uma cara emburrada no café da manhã...
Outra opção seria o se matar, se desse certo “Eba! Adeus rotina!” se desse errado ele ia estar na droga dos fundos da loja com a Amélia lhe perguntando as horas, ele pensou em Amélia, ele nunca mais ia ver o rostinho dela, as covinhas, o cabelo enrolado e aquela cintura perfeita... Procurando fazer o olhar dela se encontrar com o dele, mas ele pensou que aquilo não valia a pena, no outro dia ia ser o mesmo, e coisas assim não valem a pena.
Ele tinha de se despedir dela, a idéia seria ele se enforcar com a gravata no banheiro, ele olhou, Protagonista olhou para Amélia, um nome do qual me lembra milho e derivados, um nome que para ele lembrava aquela feição do qual ele nunca terminará no retrato, e que talvez ela só existisse naquele lugar, assim, de certo modo sem alma. Seu tempo de divagação o fez aparecer fumando olhando para o vazio, com Amélia arranjando uma desculpa para conversar com ele, pedindo as horas, ele pegou sua mão, olhou nos olhos dela, e a beijou, levantou ela pois ela era baixinha e as sandálias dela pendiam no ar com aquelas perninhas brancas brancas suspensas, parecendo uma boneca. Momento lindo não? Lembre-se que ele vai se enforcar no banheiro e que talvez ela nem tenha alma.
Ele deixou ela lá, ela com os olhos brilhando, ele com a mentira que já voltaria e com os olhos em lagrimas pelo seu enfadonho amor platônico, sabendo que logo logo estaria com a gravata apertando o seu pescoço, servindo para o seu uso mais pratico, que muitos adultos frustados fazem uso.
E ele o fez, em lágrimas, ele escorregou na privada e seu pescoço quebrou, mas ele ficou ali consciente, até que ele começou a sentir um calor pelo corpo, abriu os olhos, e lá estava ele, acordando numa cama branca, em paredes brancas, não conseguia falar e seus músculos pareciam fracos demais. A luz entrava pelo quarto em uma janela com um fundo azul, ele sentiu o calor da luz, uma moça de branco estava olhando para ele, surpresa, ele olhou nos olhos dela, era aquele mesmo rosto, ele sorriu, ela estava alegre pelo fato desse cara sorrindo acordar do coma.
Ela não mais apareceu, outras pessoas cuidaram dele, reviu a família e tudo o mais.
Tempos depois voltou ao hospital, indo procurar a menina de seu sonho, ele a encontrou tomando café e fumando um cigarro, ele usava uma camisa listrada, ela usava avental branco e sandálias, nosso protagonista perguntou as horas, a menina o reconheceu e sorriu, e deu as horas com três minutos atrasados. Conversaram, ele pegou o telefone dela, no outro dia ele acordou, e era um outro dia.

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