domingo, 30 de setembro de 2012

Gustavo e Carla


Dois jovens de visual retrô se encontravam sentados em um ponto de ônibus, enquanto passava um denso e confuso cardume de pessoas.
- Quem? – Disse o rapaz de maneira indiferente.
-  Marina, ela estudou com a gente no ensino médio.
-   E como ela está?
A menina apoiou a cabeça nos dois braços naquela eterna expressão de tédio – Diferente, bem eu só a vi passando pela rua.
-    Impressionante você: reconhece uma pessoa na rua e não a cumprimenta.
-    Mas eu a chamei pelo nome, até gritei...
-    Ah! Mas, me diga, ela ainda estava com aqueles vestidos compridos dela?
-    Não, estava de terno, ela mudou como tudo aqui – Fez um sinal com a cabeça, apontando para a turba desenfreada.
-     Só nós continuamos não? – Deu um abraço rápido, sorrindo. Mas ela não demonstrou reação – Nós nunca vamos mudar. Eles que entreguem o ponto, nós não.
-    Você não entende Guto.
-    Tanto faz.
Ela tampou o rosto com as mãos – Tinha brinquedos e fraldas nas sacolas dela. Guto, ela era mãe.
-     E daí?
-     Você não entende?
-     Não se preocupe você ainda está como eu te conheci no primeiro ano. Duvido que você fique diferente quando tiver filhos.
Ela esmaeceu. Silêncio, até que falou. – Você não entende Guto... Eu não sei, é estranho, eu me sinto meio só sabe?
Ele se virou para ela, meio surpreso. – Mas você tem a mim!
-   Não é isso Guto, eles nos evitam sabe? Guto, pelo amor de Deus.
-    Eles que se fodam! – Se levantou. – Olha! Eu tenho orgulho de manter o mesmo rosto, de ser ainda quem eu sou e não me entregar feito àqueles bandos de imbecis! Se eles mudaram, é porque são covardes!
-    Eles, eles eram os nossos amigos Guto. – Começou a chorar.
-   Nós não mudamos! Porque eles têm de mudar?  Nós vencemos!
-    O quê que tem para vencer Guto!?
-    Como assim?
Pausa, ela respondeu, se controlando. - Nós, Guto, nós não devíamos ter bebido.  Nós Guto, não devíamos ter ido nadar na piscina.
-     Que piscina?
Ela caiu aos prantos. – Quando nós saímos continuaram a nos chamar!
Ele a abraçou, preocupado. – Que piscina Carla, que piscina?!
-   Nós, depois disso nunca mais olharam para a nossa cara. - Ele ficou quieto. – Tinha, tinha aquele casal... Eles também caíram na piscina, eu os vi Guto. Mas, é confuso, o rosto dela, quando passaram, o rosto dela, sabe, ele tinha algo de estranho.
-    O quê?
-    Meu Deus...
-   Do que estás falando Carla? – Tenso, começava a tremer. – Se, eles nos ignoram, fodam-se, fodam-se eles!
-    Não são só eles Guto. – Ela entra em posição fetal, já Guto descontrola-se. Furioso, fica em pé e começa a gritar varias vezes. – Eu não quero saber! Eu não quero saber! – Com as mãos no rosto se acalma, respira e volta a sentar-se.
-    Guto, ela estava grávida. Estava grávida.
-    Quem?
-    A Marina, estudou conosco no ensino médio.
-    E como ela está?
-    A menina apoiou a cabeça nos dois braços naquela eterna expressão de tédio. – Diferente, bem, eu só a vi passando pela rua.
-    Impressionante você, reconhece uma pessoa na rua e não a cumprimenta.
...
Dois jovens de visual retrô encontravam-se sentados em um ponto de ônibus, enquanto passava um denso e confuso cardume de pessoas. Dois jovens estavam sempre lá sentados, sem seus rostos. Duas almas estavam presas eternamente em um ponto de ônibus, enquanto por lá passava a correnteza densa de um rio. Dois condenados estavam eternamente fadados a prisão em um lugar qualquer, enquanto passava por eles a correnteza vaga e confusa de Letes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário