Eduardo
gostava de andar na caminhonete do avô. Este, sem muito senso de
responsabilidade, o deixava ir à noite na capota. Deitado se
segurando em alguma coisa que ali estava para tal fim, olhando para
os postes passando e para os prédios que se seguiam, um após o
outro, com as janelas acesas num azulado fosfóreo. Sentia uma
sensação boa, não havia nada mais bonito do que aquele momento.
Chovia como chovia em São Paulo, naquela hora uma garoa fraca
refresca um dia quente. Fechava os olhos. Estava tranquilo, em seus
poucos anos, sem muito a se preocupar no momento, seu pensamento
pairava em algum lugar entre sorvetes e dinossauros. Talvez os dois
juntos, talvez o seu pai tenha locado, de novo e de novo, conforme
pedira a ele, o Jurassick Park.
Aquilo
fora á quanto tempo? Antes de seus seis anos de idade. Aquele lugar
nem se lembra onde foi, teria de andar a São Paulo inteira daquele
jeito para se lembrar onde era. E isto, ele colocou na cabeça, faria
ao menos uma vez na vida. Mas creio que sua esposa não curtiria
muito a idéia, provavelmente ele não pediria a ela para dirigir.
Sua
vida estava um tanto quanto lenta, devagar mas não no modo positivo,
como se ela fosse uma espera de poucos momentos agradáveis, e Diana
não curtia nenhum plano nem mesmo sair para alguma coisa assim. Ser
adulto é um saco, é mais uma postura que uma ação, pensou.
Ela
tinha dormido vendo o filme que ele tinha insistido a ela a ver,
pois em algum momento ela tinha enfim, cansado de falar mal do
roteiro. Para ela qualquer ação sua se resumia a bobo e sem graça,
para ela qualquer ideia dele era um prólogo á uma frustação
futura. Restava, para ele, sentar no sofá e fazer algum concurso
público.
- Amadureça.
Era
isso que ouvia em sua cabeça.
-
Seja alguém menos bobo.
Ecoava,
em seguida.
Cobriu-a com o cobertor, desligou a luz da sala
e foi fazer a única coisa que lhe faria bem, no momento. Foi á
garagem, ligou o carro, ligou o rádio. Foi-se para a lagoa perto de
sua casa, pois gostava daquele lugar, principalmente à noite, a
lagoa faz tempo não vazava pro mar, ele e a lagoa estavam morrendo,
mas mesmo assim, aquela água parada refletia as casas mais ao fundo
junto com a lua que nesta época do ano mais parece uma moeda de
latão. Acendeu um cigarro, aqueles cigarros sempre fizeram sua
pressão baixar, mas não se importava. Naquela altura do campeonato
não lhe restava muita coisa.
Uma
hora ou outra ela iria acordar, uma hora ou outra alguma coisa ia
acontecer, uma hora ou outra esperaria mais uma hora ou tra. E assim
se seguiria, sempre neste ritmo, mas não hoje.
Pois atirou seu carro na lagoa.
Pois atirou seu carro na lagoa.
Eduardo
gostava de andar na caminhonete do avô. Mas a distancia e o tempo
lhe fizeram esquecer destes momentos. Sua vida reduziu-se à um tom
cinza amarelado e seus gestos foram ficando cada vez mais reclusos.
Não havia mais os tons fosfóreos que gostava de imaginar quando
mais novo. Casou-se com o pensamento realista e pessimista que
gostava de dormir vendo televisão e se chamava Diana. Até que
gostava dela, mas à noite, quando deixava a luz do abajur acessa a
meia luz, gostava de pensar se um dia fora ou será ela uma pessoa
digna de ter um nome como aquele. Já questionou uma vez ela sobre a
possibilidade de sair por ae, viajar, mas tempo e dinheiro foram as
respostas que escutou.
Estava
cansado a ponto de questionar algumas vezes se aquilo era vida ou
morte, se morte poderia ser um pouco mais emocionante. Se era ele ou
o tempo que havia parado e tudo não era apenas o apodrecer do que um
dia se moveu. Aquilo o angustiava.
Mas
um dia desses, em um acidente de percusso numa noite clareada de
sexta feira, um alcoólatra o atropelou junto com outras pessoas na
faixa. Ato que acabou matando uma senhora com a filha. Mas ele apenas
quebrou a perna, como ele era o menos acidentado no local foi
consensualmente o último a ser atendido. Consciente e um tanto
quanto melancólico demais deixou-se levar pela situação e ficou
lá, entorpecido pela adrenalina olhando os postes no local e os
prédios com suas janelas brilhando. Até sua pressão descer e
cansado apagar.
Acordou
com a perna enfaixada e Diana o levando de carro para sua casa.
Estava estirado no banco de trás do carro, podendo acompanhar as
luzes vindo e indo em relação à janela. Se sentiu como
aqueles pássaros que deliram, olhando para o sol, na sede, esperando
este por fim o levar. Insistiu em meio à uma discussão que queria
parar na locadora e em meio a maiores discussões conseguiu locar
aquele filme de sua infância.
Sabia
que não podia conversar com ela sobre tudo isso. Aprendeu que com
algumas pessoas o silêncio é a melhor forma de manter uma relação.
Aprendeu que estando a parte era a melhor forma de dizer muita coisa.
Mas as coisas estagnam e aquilo mofou e floresceu como rotina.
Queria
gritar, mas ninguém iria entender. Então, com seu sangue frio e
acostumado resolveu dar um fim a tudo aquilo, rever por fim um tom de
seu passado feliz e depois romper com aquilo para sempre.
Era
só por ela para dormir, pegar a chave, andar como pode até o carro
e se jogar. Jogar o carro na lagoa ia fazer ela procurar por ele no
lugar errado. Tempo o suficiente para ir embora. Um táxi o esperava
a alguma distância, todo o seu salário para saber se alguns
parentes ainda se lembravam dele. Com a roupa do corpo e alguns
pertences de apego iria partir até a sua velha cidade e lá tentar
voltar a ser um ser vivo novamente.
Mas
isso não era tudo, o táxi que ele tinha chamado tinha a capota
removível.
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