Dois jovens de visual retrô se encontravam sentados em um
ponto de ônibus, enquanto passava um denso e confuso cardume de pessoas.
- Quem? – Disse o rapaz de maneira indiferente.
- Marina, ela estudou
com a gente no ensino médio.
- E como ela está?
A menina apoiou a cabeça nos dois braços naquela eterna
expressão de tédio – Diferente, bem eu só a vi passando pela rua.
- Impressionante
você: reconhece uma pessoa na rua e não a cumprimenta.
- Mas eu a chamei
pelo nome, até gritei...
- Ah! Mas, me diga,
ela ainda estava com aqueles vestidos compridos dela?
- Não, estava de
terno, ela mudou como tudo aqui – Fez um sinal com a cabeça, apontando para a
turba desenfreada.
- Só nós
continuamos não? – Deu um abraço rápido, sorrindo. Mas ela não demonstrou
reação – Nós nunca vamos mudar. Eles que entreguem o ponto, nós não.
- Você não entende
Guto.
- Tanto faz.
Ela tampou o rosto com as mãos – Tinha brinquedos e fraldas
nas sacolas dela. Guto, ela era mãe.
- E daí?
- Você não
entende?
- Não se preocupe
você ainda está como eu te conheci no primeiro ano. Duvido que você fique
diferente quando tiver filhos.
Ela esmaeceu. Silêncio, até que falou. – Você não entende
Guto... Eu não sei, é estranho, eu me sinto meio só sabe?
Ele se virou para ela, meio surpreso. – Mas você tem a mim!
- Não é isso Guto,
eles nos evitam sabe? Guto, pelo amor de Deus.
- Eles que se
fodam! – Se levantou. – Olha! Eu tenho orgulho de manter o mesmo rosto, de ser
ainda quem eu sou e não me entregar feito àqueles bandos de imbecis! Se eles
mudaram, é porque são covardes!
- Eles, eles eram
os nossos amigos Guto. – Começou a chorar.
- Nós não mudamos!
Porque eles têm de mudar? Nós vencemos!
- O quê que tem
para vencer Guto!?
- Como assim?
Pausa, ela respondeu, se controlando. - Nós, Guto, nós não
devíamos ter bebido. Nós Guto, não
devíamos ter ido nadar na piscina.
- Que piscina?
Ela caiu aos prantos. – Quando nós saímos continuaram a nos
chamar!
Ele a abraçou, preocupado. – Que piscina Carla, que
piscina?!
- Nós, depois disso
nunca mais olharam para a nossa cara. - Ele ficou quieto. – Tinha, tinha aquele
casal... Eles também caíram na piscina, eu os vi Guto. Mas, é confuso, o rosto
dela, quando passaram, o rosto dela, sabe, ele tinha algo de estranho.
- O quê?
- Meu Deus...
- Do que estás
falando Carla? – Tenso, começava a tremer. – Se, eles nos ignoram, fodam-se,
fodam-se eles!
- Não são só eles
Guto. – Ela entra em posição fetal, já Guto descontrola-se. Furioso, fica em pé
e começa a gritar varias vezes. – Eu não quero saber! Eu não quero saber! – Com
as mãos no rosto se acalma, respira e volta a sentar-se.
- Guto, ela estava
grávida. Estava grávida.
- Quem?
- A Marina, estudou
conosco no ensino médio.
- E como ela está?
- A menina apoiou a
cabeça nos dois braços naquela eterna expressão de tédio. – Diferente, bem, eu
só a vi passando pela rua.
- Impressionante
você, reconhece uma pessoa na rua e não a cumprimenta.
...
Dois jovens de visual retrô encontravam-se sentados em um
ponto de ônibus, enquanto passava um denso e confuso cardume de pessoas. Dois
jovens estavam sempre lá sentados, sem seus rostos. Duas almas estavam presas
eternamente em um ponto de ônibus, enquanto por lá passava a correnteza densa
de um rio. Dois condenados estavam eternamente fadados a prisão em um lugar
qualquer, enquanto passava por eles a correnteza vaga e confusa de Letes.